Como a igreja pode favorecer ou prejudicar o seu processo espiritual
O que leva as pessoas à Igreja? Por que tantas pessoas se afastam da Igreja na idade adulta? A igreja é capaz de transformar a vida das pessoas? Para responder tais perguntas devemos entender um pouco melhor o que essas instituições tão antigas significam para nossa sociedade. Confira:
Mais um sol de domingo se punha, e, com o cair da noite, minha mãe já começava os preparativos para o início daquele ritual.
Era o dia da missa dominical, o momento que fazia os adultos católicos se dirigirem à igreja para pedir bençãos, agradecer e dar a “prova” de sua fé.
Para as crianças, era o dia de explorar os labirintos da igreja, pedir dinheiro para comprar pipoca e criar histórias mirabolantes com os colegas.
Mas conforme fui ficando mais velha, as brincadeiras foram perdendo a graça e estar na missa se tornou a hora mais longa da minha semana.
Não era uma criança hiperativa e adorava a escola, mas ficar ali, ouvindo palavras tão complexas naquele coordenado senta-e-levanta não fazia sentido nenhum para mim.
O tempo foi passando, e mesmo depois do Catecismo, da Crisma e de fazer parte de alguns Grupos de Jovens bastante divertidos, nada foi capaz de me convencer a me tornar uma “fiel”.
Mas por que tantas pessoas se afastam da igreja na idade adulta?
Crédito: pexels.com
Teorias da conspiração à parte, as metáforas utilizadas pelas religiões acabam sendo muito complexas para crianças e adolescentes.
Se o responsável pela transmissão dessas mensagens não tiver a sensibilidade de adaptar as palavras de modo que a maioria possa compreender, cria-se um abismo entre a “palavra” e o praticante daquela religião.
Veja bem: quando nosso trabalho deixa de fazer sentido, nos sentimos insatisfeitos e procuramos outro emprego.
Do mesmo modo, se um relacionamento deixa de fazer sentido, ficamos incomodados e terminamos.
Ora, se nós nos afastamos do que não nos faz sentido, então por que seria diferente quando assunto é religião?
Calma, isso não significa algo necessariamente negativo.
O famoso escritor José Saramago dizia que “é preciso sair da ilha para ver a ilha”.
Ou seja, o afastamento, muitas vezes, permite que possamos compreender melhor o “objeto afastado”, já que se pode observá-lo com mais clareza.
Mas isso também não significa que o tal “cristão” retornará a igreja.
Isso porque um outro motivo que nos leva a “cair fora” são as próprias pessoas que a frequentam.
Sabe aquele pessoal que está sempre na missa, presente em todos os eventos da comunidade religiosa, reza todos os dias, mas são os primeiros a julgar o próximo quando ele mais precisa?
É esse comportamento hipócrita que leva boa parte das pessoas a fazerem seus questionamentos em outro lugar, muitas vezes criando um sentimento de repúdio ao que é religioso.
Mas nem só de palavras e rituais vive uma igreja.
Apesar de realmente haver uma tendência superprotetora, uma certa hostilidade em relação às dúvidas e uma suposta rivalidade contra a ciência por parte da igreja, ela não é uma “vilã”.
Por isso, eu te convido a explorar um pouco desse conceito comigo.
O que leva as pessoas à igreja?
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Quando somos crianças, não podemos ver com clareza o que leva os adultos a se submeterem a um ritual religioso.
Porém, ao crescermos, podemos investigar com mais atenção essas motivações.
Enquanto refletia sobre essa questão, pedi para alguns amigos me escrevem sobre suas experiências com a igreja.
Todos eles, apesar de terem nascido em “lar católico”, relatam terem se afastado dela na adolescência.
Mas o que os motivou a voltar?
Normalmente, o que leva alguém a procurar a igreja é a dor.
Pode ser a perda de um ente querido, a superação de um acidente complicado ou a angústia de uma depressão.
Na igreja, buscam-se palavras de consolo, abraços acolhedores e a “libertação”.
Quem volta – e permanece – na igreja, relata um sentimento de comunhão com a vida, de amor ao próximo, de proximidade com o que acredita-se ser Deus.
Mas você pode dizer: “Ora, Letícia, eu não preciso ir à igreja para experienciar esses sentimentos”.
Ok, eu entendo; eu também não.
Mas o nosso objetivo aqui não é convencê-lo a frequentá-la, e sim entender os diversos papéis que ela exerce na nossa sociedade desde sua criação.
A igreja pode transformar a vida das pessoas?
Não.
O que transforma a vida de alguém são as decisões que essa pessoa toma no dia a dia.
A igreja, por si só, não pode transformar sua vida, mas pode promover um ambiente no qual o ser humano se sinta acolhido e motivado a mudar.
E o que mais ela pode fazer?
1. Retardar ou estimular avanços científicos
Você se lembra da história de Galileo Galilei?
Ele foi um astrônomo italiano conhecido mundialmente por propor a teoria de que a Terra não era o centro do universo, tampouco plana.
Suas descobertas são consideradas, até hoje, revolucionárias para a ciência.
Mas o que a igreja fez com isso no século XVI?
Bem, ela obrigou o físico a negar as próprias pesquisas, já que elas contradiziam suas crenças.
Por outro lado, a própria postura rígida, impositora e dominadora da igreja estimulou inúmeros cientistas a buscarem respostas para as diversas lacunas deixadas pelo caminho.
E, sinceramente, você não fica muito mais instigado(a) a fazer novas perguntas quando as respostas lhe parecem vagas?
Você pode aceitar o que vem da igreja pela “fé”, ou direcionar essa fé aos seus estudos. Na igreja ou na ciência, a fé está presente.
Irônico, não?
2. Promover a caridade por meio de projetos comunitários
Doar roupas, dinheiro ou até mesmo o seu próprio tempo só para “provar” para os outros (ou para si mesmo) que é uma pessoa caridosa é uma famosa “armadilha do ego”.
Você acredita realmente que é uma pessoa melhor – mas não melhor do que ontem, e sim melhor do que os outros.
Esse tipo de competição interna envenena a nossa alma e transforma o que poderia ser um lindo gesto em uma obrigação tenebrosa.
Mas se você está aberto(a) a se doar para o outro sem expectativas de reconhecimento, os projetos comunitários promovidos por algumas igrejas podem ser o lugar perfeito para um recomeço de vida!
3. Despertar corações por meio das palavras
Como já comentei, as metáforas bíblicas não são tão simples de serem interpretadas.
No entanto, se o responsável pela leitura de um Evangelho tiver intimidade o suficiente com as palavras a ponto de fazê-las compreensíveis (sem distorcê-las), essas histórias podem tocar os corações mais carrancudos que você já viu.
E, convenhamos, se tem uma coisa de que o ser humano gosta muito é de ouvir histórias.
Nós devemos muito à ciência, mas não teríamos chegado a lugar algum se não fosse pelas palavras.
4. Arrecadar dinheiro
Não é possível realizar projetos de caridade e mutirões de solidariedade com o caixa vazio.
Padres, madres, freiras e afins também precisam do mínimo de dinheiro para suas necessidades básicas de alimentação, moradia e bem-estar.
As ações de arrecadação de dinheiro promovidas pela igreja nos mostram como é possível movimentá-lo quando se tem um propósito que visa o bem de todos.
Até mesmo o dízimo é uma iniciativa interessante: nos faz lembrar que não é preciso ser ganancioso para se ter prosperidade.
Mas, atenção: aqui não cabem crenças cegas. Não adianta você acreditar que os gestores religiosos estão usando o dinheiro para o bem da comunidade se não houver provas disso.
Estar atento faz parte da espiritualidade também.
5.Fazer especulações históricas
É interessante observar a evolução das sociedades humanas por meio das datas bíblicas.
Mas é ainda mais interessante quando descobrimos que datas como o Natal – que muitos cristãos afirmam ser o nascimento de Cristo – representam comemorações pagãs muito anteriores ao nascimento de Jesus.
Falamos disso aqui no Awebic no nosso artigo sobre os solstícios.
Uma coisa não podemos negar: quem estuda a bíblia tem uma noção maior da história da humanidade do que quem não lê nada.
No entanto, não se iluda: os primeiros manuscritos da humanidade são bem mais antigos do que a bíblia e muitos deles relatam situações coincidentemente semelhantes às que são relatadas nela.
Há muita história antes das histórias que te contaram na igreja.
6. Ajudar as pessoas a adquirirem bons hábitos
A expressão “força do hábito” não é um mero jogo de palavras aleatórias.
Quando cultivamos hábitos benéficos para a nossa saúde física, o corpo responde quase que instantaneamente.
O mesmo acontece com a nossa mente: se lemos textos de autoconhecimento, se proferimos palavras gentis, se agradecemos todos os dias pela comida que temos no nosso prato, a tendência é que nos sintamos mais felizes.
É como se a alma (aquilo que “anima” nosso corpo físico) respondesse também.
Nesse contexto, a igreja pode promover encontros amistosos e até mesmo musicais entre seus fiéis, estimulando o compromisso com seu próprio bem-estar de modo que faça sentido ir à missa toda semana.
A partir do momento em que esse seguidor passa a ver resultados na sua vida prática, torna-se mais fácil abandonar hábitos nocivos à saúde física e mental, como beber ou comer em excesso, não ter controle sobre seus impulsos sexuais ou se preocupar insistentemente com a vida dos outros.
Mais uma vez, não são mudanças que cabem à igreja e sim ao ser humano que se dispõe a mudar.
Não faltar à missa, fazer penitências e se comportar aparentemente como um(a) santo(a) não faz de você uma pessoa menos medíocre caso continue julgando as pessoas ao seu redor (mesmo que apenas em pensamento).
7. Doutrinar mentes por meio de crenças
Apesar da carga pejorativa que a palavra “doutrina” acabou adquirindo ao longo do tempo, sua origem vem do latim (doctrina) e significa “ensino, formação teórica; arte, ciência, teoria, método”.
Também a palavra “crença” pode ser interpretada de inúmeras maneiras. Mas ela nada mais é do que o substantivo dos verbos “crer”, “acreditar”.
Crença, portanto, é aquilo em que se acredita.
Por exemplo: meu companheiro acredita que o Palmeiras vai vencer o campeonato paulista.
Essa é uma crença que tem chances reais de se concretizar, mas ela pode ser modificada em função de fatos que não podemos controlar.
Se o Palmeiras começar a perder todos os jogos, em algum momento a pontuação não vai mais permitir sua vitória. Seria inteligente continuar sustentando essa crença?
Bem, o que quero dizer com esse exemplo é que não há problema nenhum em ter crenças ou aprender determinadas doutrinas.
O problema começa quando nos apegamos tanto àquilo em que nos ensinaram a acreditar a ponto de rejeitar fatos que estão diante de nossos olhos.
A igreja pode te doutrinar a acreditar em um Deus onipresente, onipotente, onisciente e misericordioso, mas ela também pode te dizer que ele castiga quem não segue seus preceitos.
Quem decide se vai assumir determinada crença para si ou questioná-la é você.
Acredite se quiser.
8. Incentivar a união dos seres humanos
Enquanto filósofos, como René Descartes (1596-1650), dividiam a realidade em dois mundos: “o reino da extensão material, de caráter essencialmente geométrico e mecânico” e o “reino da substância do pensamento, que não possui extensão”, a igreja segue tentando unificá-las.
Essa “realidade dualística” é o cerne de discussões em inúmeras religiões, e também permite que possamos analisar a realidade de forma bastante cética, sem a intervenção de mitos ou crenças.
No entanto, quando a igreja se mantém “contando histórias” em que essas duas realidades não se separam, ela também incentiva – mesmo que inconscientemente – o sentimento de união de um ser pelo outro.
Quando, em algum momento da missa, é sugerido que você abrace seu “irmão”, reforça-se a ideia de que “eu e o outro somos iguais”.
Mesmo que ainda não se possa comprovar cientificamente o poder de um pensamento positivo (que, muitas vezes, nasce dentro do ambiente das igrejas), não há quem possa descreditá-lo quando uma pessoa experiencia esse “poder”.
Então a igreja não é vilã nem mocinha?
É preciso tomarmos consciência da importância histórica e social que a igreja tem.
Criada com o objetivo de unificar povos, serviu e serve como uma ferramenta poderosíssima para manipular um grande número de pessoas tanto para o bem quanto para o mal.
A depender da intenção de seus gestores, pode promover um ambiente muito acolhedor, mas se seus preceitos forem mal interpretados, pode se tornar uma disseminadora de discórdia.
Por isso, nós do Awebic esperamos que você possa refletir profundamente sobre esse assunto, lembrando que a igreja é apenas um local onde se concentram determinadas práticas religiosas, mas não é capaz de transformar sua vida (nem positiva, nem negativamente) caso você não esteja aberto à mudança.
Se você tem alguma experiência significativa com a igreja que possa acrescentar à discussão aqui proposta, comente e compartilhe com a gente! 🙂
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Imagens: Arquivo pessoal.
Analista de SEO e editora do Awebic e Receitinhas. Escrevendo desde sempre, formada em jornalismo, fotógrafa por hobby, dando as caras na centraldoleitor.com, apaixonada por gatos, café e Harry Potter; Amandinha é leitora fissurada e estudante ininterrupta antes de qualquer coisa.