Médico inspira ao fazer eventos na Cracolândia usando roupas de palhaço

Usando roupa de palhaço, psiquiatra Flávio Falcone leva bom-humor, esperança e dignidade para pessoas na Cracolândia.

Levar alegria, esperança e sorrisos para um dos lugares mais marginalizados do Brasil, a Cracolândia, é o projeto que o médico psiquiatra Flávio Falcone faz há dez anos. Entre músicas, encenações e muita dedicação, o profissional diverte e ajuda o respeitável público que se aglomera para acompanhar de perto a apresentação do dia.

Mas não se deixe enganar pelas traquinagens e brincadeiras: o trabalho que o médico realiza é muito sério! De acordo com ele, o que é feito na Cracolândia é uma tentativa de retirar as pessoas daquela situação em que se encontram, pois o problema do local não é tão simples de ser resolvido.

Metade psiquiatra e metade palhaço, Flávio é formado pela Universidade de São Paulo (USP), em Medicina, e fundador do projeto “Teto, Trampo e Tratamento”, iniciativa que busca ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade na Cracolândia.

Para perder um pouco da pose séria que normalmente psiquiatras carregam, o médico fez cursos de palhaço. Ele contou à PONTE que atores famosos e com formações de destaque, como a EAD (Escola de Arte Dramática), demonstram uma certa dificuldade na hora de realizar as práticas.

Médico psiquiatra leva alegria e esperança para pessoas na Cracolândia

Afinal, o palhaço não pode fingir ser outra pessoa, mas sim ele mesmo. O processo dessa arte demanda que o ator traga à tona a parte mais ridícula e oculta que a pessoa carrega, normalmente aquela que envolve os defeitos e que, todo mundo, tenta esconder.

O palhaço faz as pessoas rirem do erro. É o que você faz de errado, é o seu defeito não sua qualidade que é colocada ali, na frente de todo mundo. E é aí que me conecto com aqueles que estão em uma situação de esquecimento completo, que são marginais”, contou o médico artista, em entrevista à Ponte.

‘Hoje eu me sinto entrando na sociedade’

Entre histórias de esperança, encontra-se a costureira Edna Muniz, de 39 anos. Ajudada pelo projeto “Teto, Trampo e Tratamento”, ela morou por três anos com a filha no “fluxo” da Cracolândia. A mais de um ano longe do local, Edna conquistou trabalho e moradia e hoje luta contra o vício em substâncias químicas.

Sobre o dinheiro que recebe do projeto, Edna disse ao Profissão Repórter que “a primeira coisa que eu faço é comprar os lanches do mês da escola da neném. A primeira coisa é satisfazer a minha filha. Aí eu vou no mercado e compro as coisas que estão faltando dentro de casa.” A costureira afirma que agora se sente “entrando na sociedade, uma pessoa mais cidadã”. Já a dependência química, ela continua tratando com Flávio, que acompanha os pacientes sem a roupa de palhaço, mas sim com o jaleco de psiquiatra.

Flávio se arruma e passa maquiagem de palhaço que dá vida ao projeto

A parte mais importante para você conseguir realizar qualquer tipo de tratamento é o vínculo. O trabalho que eu faço é mostrar que tem vida aqui. Um jeito de fazer o tratamento é você potencializar o que eles têm de melhor, e a arte é uma forma de mostrar o que eles têm de melhor”, disse ao Profissão Repórter.

CRACOLÂNDIA

Em levantamento realizado pela Unidade de Pesquisas de Álcool e Drogas (UNIAD) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em 2019, a Cracolândia possui uma média diária de 1.680 frequentadores, sendo a maioria (aproximadamente 70%) com média de 36 anos de idade.

Dos homens, a grande maioria tem uma história de abandono da figura paterna, só com a figura da mãe – que trabalha o dia inteiro para sustentar os filhos. Então, são criados pelas avós, pelos vizinhos e muitos pela rua mesmo. No lado das mulheres, que é mais triste, a grande maioria delas tem uma história de abuso dentro de casa, e aí elas saem de casa para fugir do abuso e continuam sendo abusadas na rua”, afirmou Flávio para o Profissão Repórter.

Que mais projetos e iniciavas como a do doutor Flávio Falcone possam levar esperança para lugares tão apagados socialmente! Afinal, a recuperação de pessoas com algum tipo de dependência química é um trabalho de muita importância e que deve ser levado com a mesma seriedade por todo o poder público.

Fonte: G1 e Ponte

Mariana Sanches Otta
Escrito por

Mariana Sanches Otta

Jornalista e redatora. Amante de gatos, livros, moda e receitinhas.