Conheça a ÚNICA mulher que ousou enfrentar Pablo Picasso
Em meio aos muitos relacionamentos, sempre temos um que se ganha espaço por seu intenso amor. E com o Pablo Picasso não foi diferente!
Picasso era definitivamente um conquistador. Aos 61 anos, ele estava em um restaurante em Paris com sua então amante, Dora Maar, quando pôs os olhos sobre a altiva Françoise, que tinha apenas 21 anos.
Ele não a deixaria passar. Abordou-a com uma tigela de cerejas e um convite para visitá-lo em seu ateliê.
Já internacionalmente famoso, era difícil resistir à curiosidade, uma vez que Gilot era também uma pintora com sérias ambições na profissão. Era o início de uma história impressionante.
Um relacionamento entre aluna e mestre
Segundo Gilot, o momento do apaixonamento ocorreu quando, em uma das visitas ao ateliê de Picasso, ela se despiu para que ele a desenhasse nua pela primeira vez.
Ela o interpretou como “maravilhosamente gentil” e acreditou estar finalmente em frente ao pintor memorável que arrebatava multidões.
Não demorou muito tempo até que Picasso convencesse a jovem dama a ir morar com ele, em uma trágica separação para Maar, que outrora fora sua musa.
Picasso tinha uma vida cravada por amores instáveis. Era uma surpresa para todos que uma moça tão jovem o levasse a investir em um ambiente conjugal. Gilot, sabendo bem disso, entrou no relacionamento tendo em mente que nunca confiaria nele.
Conhecia o destino das suas antecessoras – além de Dora, havia Marie-Thérèse Walter e Olga Khokhlova. Todas elas, após se relacionarem com o pintor, desenvolveram algum tipo de desarranjo mental.
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Deusas e capachos
Ele teria dito a Françoise, como ela relatou em seu livro Life with Picasso, que só existem dois tipos de mulheres: deusas e capachos. Ela estava determinada a não ser o segundo tipo.
“Às vezes as pessoas gostam de você. Às vezes as pessoas não gostam. Mas você não vai se moldar de acordo com os desejos das outras pessoas, sejam elas negativas ou positivas, sabe? Você tem que ser verdadeiro consigo mesmo e com a verdade em si. Essas são as duas únicas coisas que são importantes.” (Françoise Gilot, em 2019, aos 97 anos, em entrevista ao New York Times)
Ao longo de dez anos, Gilot conviveu com as cartas de ex-amantes do marido, como se elas também habitassem o casamento.
Logo no início do namoro, ele a levou para uma casa com a qual havia presentado Maar e passou a ler as cartas em voz alta, o que foi deixando Gilot desesperada.
“[…] uma grande carga de seu passado distante, que estava começando a parecer um albatroz em volta do meu pescoço”, escreveu Gilot em seu livro de memórias.
O confronto com a realidade
Em determinado momento, conviver com o albatroz em volta do pescoço se tornou insuportável e Françoise fugiu.
Picasso tinha saído para dar uma volta e ela pegou uma carona, mas ele a encontrou. Disse que “você é desenvolvida apenas no nível intelectual. Em todos os outros pontos, você é retardada. Você não saberá o que significa ser mulher até ter um filho.”
Embora o relacionamento entre os dois não possa ser definido como “saudável”, foi um encontro significativo para ambos. Apesar do discurso vertiginoso, Picasso convenceu Gilot e eles tiveram dois filhos juntos. Situação que a paixão justifica.
Ela sempre quis ser uma artista, o que o pai condenou. Conhecer Picasso foi como uma lufada de ar fresco traduzida em esperança. Ela viu seu sonho tomar forma humana, a forma de alguém que, em princípio, seria seu igual.
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Uma afinidade entre mentes
O relacionamento de ambos não era exatamente romântico, mas uma amizade prolífica, já que Picasso sempre contara com o apoio de suas amantes para desenvolver suas obras. Sua nova esposa compartilhava de sua profissão e eles se apoiavam mutuamente em busca da arte.
Mas não era só isso. Picasso forçava reuniões entre a mulher e suas ex-amantes, alegando que eram apenas modelos; proibiu-a de visitar médicos durante a gravidez; comparava-se, em discussões, a Hegel, Shakespeare e Jesus; ele chegou a empurrá-la e ameaçar jogá-la no Rio Sena.
Cega pelos sentimentos, Françoise considerava Picasso um desafio irrecusável, que era compensado pelas conversas metafísicas sobre o processo criativo de pintar e esculpir.
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Picasso e o narcisismo perverso
“Ele tinha uma espécie de complexo de Barba Azul que o fazia querer cortar as cabeças de todas as mulheres que havia colecionado em seu pequeno museu particular. Mas ele não cortou totalmente as cabeças.
Ele preferia que a vida continuasse e todas aquelas mulheres que haviam compartilhado sua vida em um momento ou outro ainda soltando pequenos pios e gritos de alegria ou dor e fazendo alguns gestos como bonecas desconexas, só para provar que havia vida ainda nelas, que estavam penduradas por um fio, e que ele segurava a outra ponta do fio.” (Françoise Gilot, em Life with Picasso)
Instinto de sobrevivência
Até que, no verão de 1953, após descobrir estar sendo traída, o instinto de sobrevivência venceu e Françoise partiu com os seus dois filhos, em busca de recriar sua própria identidade, que fora perdida com o relacionamento. Porém, antes disso, ele a confrontou:
“Você imagina que as pessoas vão se interessar por você? […] Elas nunca vão, na verdade, se interessar só por você. Mesmo que pareça, essa será apenas uma espécie de curiosidade que elas terão por uma pessoa cuja vida tocou a minha tão intimamente. E você ficará apenas com o gosto de cinzas em sua boca. Para você, a realidade acabou; termina aqui.
Se você tentar dar um passo fora da minha realidade – que se tornou a sua, visto que a encontrei quando você era jovem e disforme e queimei tudo ao seu redor – você está indo direto para o deserto. E se você for, é exatamente o que desejo para você.” (Picasso em resposta a Françoise Gilot, recontado em Life with Picasso)
A independência profissional
Gilot partiu para Nova Iorque, onde buscou trabalho em diversas galerias de arte como pintora. Estranhamente, ninguém queria aceitá-la – o que, mais tarde, provou ser uma tática sabotadora de Picasso para impedir que ela progredisse na carreira.
Ele ainda renegou os dois filhos que teve com ela. Nunca os viu novamente nem atendeu a qualquer telefonema deles.
Apesar das tentativas do ex-marido, Gilot, por fim, tornou-se a pintora que desejava ser e encontrou seu caminho no circuito das galerias de arte, especialmente depois de publicar, em 1964, Life with Picasso, seu livro de memórias, no qual narrou todo o brilhantismo e a tirania do gênio com o qual fora casada.
Em vez de musa, ou mesmo de “capacho”, ela assumiu o protagonismo de sua vida como criadora e não como mera inspiração de um mestre.
Por isso mesmo, ela, em entrevista ao The Nation, em 2019, por ocasião da reimpressão de seu cáustico livro, concluiu:
“Eu me sentia totalmente livre e independente de seus retratos. Não me defini por eles, não me coloquei dentro deles. E é por isso que ainda estou por aí”.
Françoise Gilot tem hoje 98 anos e mora em Upper West Side, Manhattan, Nova Iorque.